Não, não estou me referindo ao filme de Elem Klimov sobre os horrores da guerra. É apenas uma metáfora para abordar os horrores de um casamento espúrio entre o suposto dinheiro que tudo compra e as consciências que se vendem em massa para garantir a continuidade da tragédia e da farsa.
Não há honra em uma vitória calcada na ignorância, fruto da falta de educação para a democracia; na ambição pessoal de alguns, sobrepondo-se ao coletivo, como se pudéssemos viver bem quando todos ao redor estão mal; no atraso, que é o leito onde repousa o falso progresso; na pobreza de caráter; na violência física e psicológica, esta última travestida de assédio moral; na corrupção e na maldade pura e simples, digna daqueles que apostam na impunidade que os cargos lhes proporcionam. Um verdadeiro bicho de sete cabeças, portanto.
Por tudo isso, é necessário que você vá e veja, experimente, atravesse com seu olhar as camadas da neblina do senso comum. Observe que o bicho está em três dimensões e que você pode tocar todas as suas faces, percebendo o que se esconde sob sua capa azulada. Questione, mesmo que não o tenha feito antes, mesmo que tenha acreditado no que viu pelo simples ato de ver.
Heráclito de Éfeso viu o rio e conheceu suas entranhas; Demócrito de Abdera vislumbrou o invisível átomo. É claro que não somos filósofos, mas como podemos ver além da bruma que se fecha sobre nós e não nos permite enxergar o que ela esconde?
Essa capacidade de ver além do aparente, de questionar o estabelecido, é crucial para o nosso progresso. É através desse olhar crítico que podemos desvendar as armadilhas dos poderes e dos poderosos, as ilusões da propaganda e as máscaras da corrupção. Cada um de nós tem o potencial para ver e mudar; um observador atento que não se contenta com a superfície das coisas, mas busca compreender suas raízes e ramificações.
Recordo-me de uma frase de Darcy Ribeiro que se eternizou pelas verdades que carrega: “Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.”
Tudo muda, tudo passa. Às vezes, o que parece uma derrota implacável, na verdade, pode ser o começo da mudança porque você foi e viu. Viu a cara do monstro e não se sentiu derrotado porque você não se parece com ele, e sua derrota é sua vitória. Te fortaleceu para continuar lutando. Agora, vá e lute, porque não estamos na pele de quem nos venceu, por isso, nossa aparente derrota, é uma grande vitória na nossa jornada pessoal e social.