A busca por melhorias no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) tornou-se, em muitos municípios brasileiros – e Salinas da Margarida não é exceção –, uma obsessão que, paradoxalmente, distancia o sistema educacional de seu verdadeiro propósito: garantir aos estudantes uma aprendizagem significativa. Em Salinas da Margarida, a contratação do programa “Aprova Brasil”, de uma editora de livros didáticos, feita em 2018, ilustra essa contradição. A iniciativa promete elevar o IDEB por meio de cartilhas que exercitam descritores da Prova SAEB no 8º e 9º anos, mas, na prática, reproduz distorções que priorizam estatísticas em detrimento da qualidade educacional. Essa política, embora aparentemente bem-intencionada, revela uma lógica perversa: a substituição de um projeto pedagógico sólido por estratégias superficiais de "treinamento para provas", desconsiderando a complexidade do processo educativo.


Essa escolha pode gerar, além de outras artificialidades no decorrer da aplicação das cartilhas, a aprovação automática de estudantes, mesmo sem o domínio de competências básicas, mascarando assim a realidade da aprendizagem. Essas práticas criam uma ilusão de sucesso, pois, embora o IDEB aumente, o resultado não reflete avanços reais. Alunos chegam ao ensino médio sem habilidades essenciais em leitura ou matemática, reproduzindo ciclos de desigualdade.


Outra distorção é a transformação de gestores escolares em "caçadores de metas". Sob pressão por resultados, às vezes de forma velada, diretores adotam táticas como concentrar recursos apenas nas turmas avaliadas pelo SAEB ou pressionar professores a priorizar conteúdos cobrados no teste. Essa postura desvirtua o papel da gestão educacional, que deveria focar em melhorias estruturais, como formação docente e apoio pedagógico, e não em otimizar números que, no fim das contas, não representam a realidade educacional da escola. A consequência é um ambiente escolar marcado por ansiedade e reducionismo, onde o currículo se restringe a exercícios de múltipla escolha, sufocando a criatividade e o pensamento crítico.


O programa parte de uma premissa equivocada: a de que é possível melhorar o IDEB sem investir nos fatores que realmente sustentam a aprendizagem. A rede municipal conta com professores competentes, mas estes não recebem capacitação continuada, incentivos ou condições de trabalho adequadas. Sem políticas para valorizar o magistério – como planos de carreira atrativos ou acesso a metodologias inovadoras –, o esforço recai sobre profissionais já sobrecarregados com carga horária ampliada de forma ilegal, que precisam "improvisar" resultados com recursos limitados.


Além disso, o IDEB é um indicador que reflete um processo de anos, desde a alfabetização até o ensino fundamental. Ignorar essa longitudinalidade é um erro grave: alunos mal alfabetizados não conseguirão resolver problemas complexos no 9º ano, por mais cartilhas que completem. O “Aprova Brasil” atua como um curativo em uma ferida estrutural enorme, desviando a atenção de questões como infraestrutura escolar, inclusão de alunos com dificuldades, equidade e integração entre ciclos pedagógicos e, mais recentemente, o buraco na recuperação das aprendizagens causado pela pandemia.


Para reverter esse cenário, é urgente reconhecer que o IDEB deve ser um meio, não um fim. Isso exige: investimento em formação docente, com oferta de cursos alinhados às necessidades reais das salas de aula, com foco em práticas pedagógicas inclusivas e interdisciplinares; garantir que reflitam as aprendizagens significativas e implementar sistemas de reforço escolar para sanar defasagens; além da tão necessária integração de ciclos, ou seja, articular ações desde a alfabetização, garantindo que as bases necessárias para o SAEB, e não apenas, sejam construídas ao longo de toda a trajetória escolar.


Enquanto o município tratar a educação como um jogo de números, onde cartilhas substituem projetos pedagógicos e diretores viram gestores de metas, o IDEB continuará sendo um espelho embaçado – que reflete mais a sede por rankings do que a realidade das salas de aula. A verdadeira aprovação está na capacidade de formar cidadãos críticos, preparados para os desafios do mundo.

Imagem no Corpo do Artigo

Os elementos acima mostram que, em 2021, Salinas da Margarida alcançou IDEB 4,4, um pouco abaixo da média nacional (4,5). Coisa que se repetiu em 2023. No entanto, os dados do SAEB revelam que apenas 32% dos alunos do 9º ano atingiram proficiência adequada em Língua Portuguesa e 8% em Matemática. Isso significa que, dos 1.051 alunos matriculados no Ensino Fundamental – anos finais, em 2021 –, apenas 340 alunos completaram o 9º ano no nível básico, o que sugere que, neste nível, ainda precisam melhorar e indica a necessidade de atividades de reforço. Essa disparidade expõe a fragilidade do índice: enquanto o IDEB é inflado por taxas de aprovação (que chegam a 81,6%), a aprendizagem efetiva permanece estagnada.


A obsessão por índices elevados no IDEB em Salinas da Margarida, alimentada por programas de empresas privadas, como o Aprova Brasil, revela um paradoxo perigoso: a educação está sendo reduzida a um simulacro de planilhas e metas, enquanto o aprendizado real se esvai. Os números podem até subir, mas, sem um compromisso autêntico com a formação integral dos estudantes, esse sucesso é efêmero e enganoso.


Se queremos romper esse ciclo, é urgente abandonar a lógica do "atalho educativo" e priorizar políticas que valorizem os professores, currículos significativos e apoio real aos alunos com defasagens. O IDEB só terá legitimidade quando for um reflexo honesto da qualidade do ensino, não um troféu conquistado por meio de cartilhas que treinam para provas, mas não preparam para a continuação segura dos estudos no Ensino Médio, nem para a vida. A verdadeira aprovação não se mede em gráficos: mede-se na capacidade de um jovem interpretar um texto, resolver um problema ou questionar criticamente o mundo ao seu redor.


Enquanto o município insistir em substituir pedagogia por estatística, estará condenando suas escolas a serem fábricas de ilusões – onde números brilham, mas futuros se apagam. É hora de escolher: queremos rankings ou cidadãos? Planilhas ou pessoas? Fake News ou a verdade expressa e impressa nas salas de aula? A resposta a essa pergunta definirá não apenas o IDEB de amanhã, mas o destino de toda uma geração de estudantes.


A Realidade Mascarada


Imagem no Corpo do Artigo


As proficiências em Português e Matemática (ambas próximas de 261) estão pouco acima do nível básico estabelecido pelo SAEB (que geralmente define 250 como limite mínimo para habilidades elementares). Isso indica que os alunos, em média, dominam competências rudimentares, como localizar informações explícitas em textos ou resolver operações matemáticas simples, mas falham em habilidades complexas, como interpretação crítica ou resolução de problemas contextualizados.


A nota do aprendizado (5,38) pode parecer "aceitável", mas esconde uma estagnação qualitativa. Se o município tem investido em programas como o Aprova Brasil, focados em "treinar" descritores da prova, por que as proficiências não ultrapassam patamares básicos? A resposta está na própria natureza do programa: ele prioriza repetição de exercícios similares ao SAEB, em vez de promover uma aprendizagem profunda e interdisciplinar.


A quase igualdade entre as proficiências de Português (261,14) e Matemática (261,39) é atípica e suspeita. Em geral, os resultados de Matemática costumam ser mais baixos no Brasil, já que a disciplina exige raciocínio lógico consolidado. A proximidade entre as notas sugere que o Aprova Brasil pode estar atuando como um nivelador artificial, focando em estratégias genéricas de resolução de questões (como eliminação de alternativas ou "decoreba" de fórmulas), sem garantir domínio conceitual em nenhuma das áreas.


O Plano Nacional de Educação (PNE) estabelece que, até 2024, o Brasil deve alcançar proficiência média de 275 pontos no SAEB para os anos finais do fundamental. Salinas da Margarida está 14 pontos abaixo dessa meta em ambas as disciplinas. Isso expõe que, mesmo com o IDEB em ascensão (graças a taxas de aprovação infladas), o município não está preparando os alunos para os desafios futuros. A defasagem é ainda mais grave quando consideramos que o ensino médio exigirá proficiência próxima de 300 pontos – um abismo para estudantes que mal alcançaram 260.


O que os números não mostram:


Desigualdades internas : Se a média é 261, é provável que algumas escolas estejam muito abaixo desse valor, enquanto outras "puxam" a média para cima com estratégias de exclusão de alunos vulneráveis das provas.

Efeito progressão continuada : A alta taxa de aprovação (que compõe o IDEB) mascara a falta de aprendizado. Alunos são promovidos sem dominar conteúdos, acumulando defasagens que explodem no ensino médio.

Os dados do SAEB 2023 confirmam que o Aprova Brasil e políticas similares estão falhando em seu propósito propagandeado na venda do produto milagroso. Enquanto o município celebrar um IDEB mediano (5,38) e ignorar que as proficiências estão estagnadas em patamares insuficientes, estará negando a seus estudantes o direito a uma educação transformadora.


Enquanto não houver coragem para enfrentar essas questões e vozes para dizer o que deve ser dito, Salinas da Margarida continuará presa em um ciclo perverso: terá números que impressionam em relatórios e discursos, mas alunos que saem da escola sem conseguir ler um gráfico, interpretar uma notícia ou calcular um desconto simples – habilidades mínimas para a vida no século XXI.


Fonte dos dados: https://qedu.org.br/municipio/2927309-salinas-da-margarida/ideb